Produção nacional da terapia celular por instituições públicas vai reduzir o custo e viabilizar sua inclusão no SUS
Os impactos do câncer transitam pela esfera social e econômica, motivando uma busca incessante da ciência por novas abordagens terapêuticas para a doença, que é a segunda principal causa de morte no mundo. Uma das estratégias mais inovadoras, que está em desenvolvimento pelo Instituto Butantan, é a terapia celular CAR-T, que tem o potencial de ser mais eficaz e econômica.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta cerca de R$ 3 bilhões por ano com o tratamento de pacientes oncológicos, incluindo quimioterapias, radioterapias, cirurgias, internações e demais despesas hospitalares. No mundo, esse valor é estimado em US$ 2 trilhões.
Reconhecida como uma das fronteiras da medicina atual contra o câncer, a CAR-T reprograma as células do próprio sistema imune do paciente para combater a doença. Ela começou a ser testada em 2010 nos Estados Unidos e foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) sete anos depois, pois se mostrou segura e capaz de causar a remissão de leucemia e linfoma. No entanto, o alto custo restringe o seu acesso: são US$ 500 mil por paciente, o equivalente a R$ 2,5 milhões.
Fazer com que esse tratamento possa ser aplicado gratuitamente na população brasileira é o objetivo da parceria entre Butantan, Hemocentro de Ribeirão Preto e Universidade de São Paulo, que inauguraram em junho de 2022 duas unidades de produção da terapia – os Núcleos de Terapia Avançada (Nutera) de São Paulo e de Ribeirão Preto. A CAR-T vem sendo testada com sucesso no Hemocentro desde 2019 de forma compassiva e, em 2023, entrará na fase 1 do estudo clínico.
Segundo o diretor médico do Laboratório de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto, Gil Cunha De Santis, a expectativa é que a produção totalmente nacional da CAR-T por instituições públicas possibilite a redução de seu custo em até 10 vezes, facilitando sua incorporação ao SUS. “Estudos de viabilidade econômica ainda estão em andamento, mas estimo que a terapia vai custar por volta de R$ 200 mil para a saúde pública”, afirma. Atualmente, o valor é de R$ 2,5 milhões.
A inclusão da CAR-T no SUS, além de proporcionar uma maior chance de cura aos pacientes, poderá reduzir a necessidade de tratamentos convencionais. Isso ajudaria a poupar recursos e melhoraria a qualidade de vida das pessoas, que ficariam menos tempo submetidas a terapias com muitos efeitos colaterais.
Outra vantagem é o tempo de tratamento: enquanto a terapia celular CAR-T dura até dois meses, desde a coleta das células até a sua modificação e aplicação, a quimioterapia, por exemplo, pode durar anos. “É preciso um investimento alto em um primeiro momento, mas em longo prazo os ganhos são claros. Você consegue tratar os pacientes em menos tempo, ter menos internações, reduzir custos convencionais”, destaca Gil.
Por que a terapia é tão cara?
A CAR-T é uma descoberta relativamente recente e ainda não está disponível em larga escala, pois exige laboratórios com equipamentos importados e muito sofisticados, insumos de alto custo para multiplicar as células e uma equipe de profissionais altamente treinados. Além disso, há as despesas hospitalares, já que o tratamento deve ser aplicado em hospital e o indivíduo precisa ficar em observação durante alguns dias. Mas existem diferentes estratégias para viabilizar o tratamento no SUS.
“Hoje, para produzir as células CAR-T, levamos de 10 a 15 dias. Se conseguirmos otimizar a produção para cinco dias, por exemplo, é melhor para o paciente, que receberá o tratamento mais rápido, e teremos um gasto menor, pois usaremos menos insumos. Estamos estudando vários planos para reduzir o custo da terapia”, aponta Gil. “Eu vejo com muito otimismo uma futura parceria com o SUS. Se o SUS abraçar essa causa, vai contribuir para diminuir a disparidade entre classes. Eu entendo isso como justiça social”, completa.
Nesse cenário, a expertise de 121 anos do Instituto Butantan em pesquisa e fabricação de imunobiológicos entra como um elemento-chave para impulsionar a produção da terapia celular no Brasil. Caso o tratamento seja aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) após os estudos clínicos, o programa terá capacidade de atender até 300 pacientes por ano. O Butantan também dará suporte ao Hemocentro-RP em relação aos padrões de qualidade exigidos pelo órgão e aos materiais regulatórios necessários para submissão e registro do produto.
Reportagem: Aline Tavares
Fonte: Portal do Butantan